Leticia Barreto
A vida clama por sentido. Quando somos abalados por uma perda, por uma
tragédia, há um momento muito doloroso em que tudo parece ter perdido o sentido, a razão
de ser. O inesperado, o que não devia acontecer, abala e aponta um longo caminho para
lugar nenhum.
Algumas pessoas reagem de maneira positiva no meio do sofrimento. Foi o que
Victor Frank observou nos campos de concentração, onde esteve internado por seis longos
e sofridos anos. Ali perdeu sua esposa e todos seus parentes – pais, irmãos, tios… Tentando
preencher seus pensamentos com as lembranças de seus estudos como psiquiatra,
perguntava-se:
_ Por que alguns se desesperam e se suicidam atirando-se contra a cerca
eletrificada com as últimas forças que lhe restam, e outros conservam a cabeça erguida,
cantando hinos judaicos ou rezando o Pai Nosso, caminhando para o forno crematório?
Duas coisas preenchem nossa necessidade de sentido de vida, concluiu ele: uma
pessoa ou uma causa. A pessoa (ou as pessoas) que amamos, com amor amadurecido feito
de doação e entrega, fazem-nos dizer:
_ Fazer você feliz dá sentido à minha vida.
Algumas pessoas transformam esse Amor em uma causa, como Tereza de
Calcutá em relação aos mais pobres e sofridos. Uma causa é um projeto, uma idéia, um
sonho que nos dá ânimo e justifica nosso viver.
O API transforma-se em uma causa que dá sentido ao sofrer, quando
percebemos a importância do apoio mútuo, da compreensão e solidariedade que emerge
entre os que compartilham perdas irreparáveis.
Não ter medo de continuar amando filhos, companheiros, pessoas que
permanecem conosco, enfrentar o grande risco de “amar-e-perder”, é outro desafio que a
ausência doída, e sempre presente, nos faz.
Uma “ausência presente” parece um paradoxo. Lacan já dizia que a ausência só
acontece se ali, antes, houve uma presença. É a presença de filhos, esposo ou esposa, pai
ou mãe que partiram que continuará dando sentido à vida – o amor por eles há de ser
positivo, feito de lembranças que convém conservar, sabendo-se que a vida continua …
Há pessoas que evitam lugares onde as grandes perdas ocorreram – “não vou
mais à praia”, “nunca mais vou encarar uma viagem de carro”.
Interromper a vida é negar o bem que nos foi dado. Quem tem um “para que”
viver, suportará as condições mais difíceis. Se isso aconteceu em campos de concentração,
poderemos ir em frente, carregando a ausência-presença que é memória, saudade, o que
deu sentido à vida e… continua dando.
Transformar o ausente, em uma presença viva que nos torna melhores, mais
amigos, mais solidários… isso dá sentido à vida que permanece.
Bem dizia Saint’Exupéry: “o que dá sentido à vida, dá sentido à morte”.
Dupla é a nossa missão, diante de perdas irreparáveis: manter o sentido de nossa
própria vida (amando e trabalhado por um projeto) e também dar sentido à vida que se foi,
interrompida mas conservada na grandeza, no drama, no amor que transcende qualquer
circunstância.